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Dar voz à ausência

Em toda a nossa vida, passamos pela experiência do luto, ele faz parte do nosso desenvolvimento enquanto pessoas.

Mas o que é realmente o luto? O luto é um processo para lidar com uma perda, uma ausência de alguém ou de algo, é um processo único e pessoal. Não existem instruções de como deve ser feito e em quanto tempo. Assim, cada luto é diferente do outro, até na mesma pessoa, dependendo da própria pessoa, da sua história de vida, do contexto em que está inserida e dos apoios. Este pode ter valência emocional positiva ou negativa, aquele sentimento de alívio por terminar alguma relação tóxica, ou por outro lado, a presença de um enorme sofrimento pela perda, de doer o peito e chorar até ficar sem.

Enquanto psicólogos não devemos julgar nem impor as nossas crenças, isto vem desde os inícios da nossa formação enquanto profissionais de saúde, mas no que toca ao luto, muitas vezes, o nosso desejo de ajudar cometemos o erro de tentar encontrar os nomes dos sentimentos que a pessoa possa ter naquele momento de tão grande dor, e nesta formação apercebemo-nos disso. Neste sentido, aprendemos a importância de dar voz à pessoa, de escutarmos ainda mais cada palavra e cada silêncio, a respeitar cada pequeno passo mesmo que a nossa ânsia de ajudar seja enorme, apoiar cada etapa, e perceber a forma como a pessoa se está a sentir e de como a pessoa está a utilizar o seu tempo e se esta forma é adaptativa ou não, percebendo os processos de avanços e recuos, os comportamentos inerentes, formas de ajudar, o que dizer, a melhor forma de dizer e quando. Em relação ao tempo, quanto tempo tem o luto? Não sei, é o tempo da pessoa, é o tempo que ela necessita para sentir tudo o que quer, até surgir o sentimento de saudade boa, com recordações felizes, e mais importante que a duração do tempo é que a pessoa faz com ele, se continua a viver a vida.

Aqui nos deparamos com outro conceito, adaptativo, o que é adaptativo para uma pessoa pode não ser para outra, temos que perceber se algum comportamento que a pessoa esteja a ter como auxílio para suportar o luto se a prejudica na vida, em termos relacionais, sociais e laborais, ou se apesar da dor, consegue continuar a ser activa na sua vida.

Assim, pode-se dizer que o luto é partilhado com quem rodeia a pessoa que teve perda, uma vez que a variabilidade de resposta no luto está relacionada com os recursos que a mesma tem, e aqui podemos utilizar como mais valia para a nossa intervenção.

Aprendemos que o que acontece antes da morte de alguém, tem uma grande influência em como este luto é vivenciado, por isso este apoio é crucial para a pessoa que está a morrer e para quem vai ficar sem. Se houver uma preparação, se houver uma despedida, conseguimos intervir para que exista uma melhor rede de suporte, guiar a pessoa e ouvi-la. Aprendemos que o processo de luto se organiza em cinco estádios: a negação, em que a pessoa ainda não integrou a realidade da perda e rejeita tal ideia; a revolta/raiva, onde sente a ausência e quer culpar a pessoa que já não está presente ou dirigida a ela própria; a negociação, de querer fazer algo em troca dessa pessoa voltar; a depressão, onde sente que a ausência é definitiva; e a aceitação, onde a pessoa consegue viver sem essa pessoa e que quebrou o vínculo emocional com esta que já não faz parte da sua vida, integrando essa perda como definitiva. Este processo não é linear, pode haver avanços e recuos e ainda existir fases que ocorrem em simultâneo.

E aqui entramos nós psicólogos, para orientar e apoiar a pessoa neste processo, em cada etapa, intervindo de uma maneira única a cada um, respeitando a pessoa à nossa frente e deixando que esta guie o ritmo da intervenção.

Na nossa intervenção temos que desconstruir o mundo imaginário que a pessoa possa ter construído com os “E se…”, acompanhando a pessoa no processo de perceber a ausência como real e a confrontação com a irreversibilidade da perda; ajudar a pessoa lidar com o sofrimento inerente à perda; ajudar a pessoa a adaptar-se à nova realidade sem a presença da outra pessoa, aprender a viver sem essa pessoa; ajudar a encontrar as suas próprias estratégias para voltar a ser feliz e que existe muito mais à sua volta e que vale a pena viver.

No fim, o luto vira saudade, uma saudade boa com um sorriso, e aí terminamos a nossa intervenção.

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